Coruche: o Céu, a Terra e os Homens


A exposição que aqui partilhamos, temporariamente encerrada devido à empreitada de requalificação energética do edifício, conta a história de Coruche desde os tempos mais remotos, tendo por base o conceito de sagrado. O nosso lado mais espiritual. As nossas crenças, a nossa relação com o transcendente, com o divino. Mas o que é o sagrado para as gentes de Coruche, para a gentes deste território, deste concelho?


Não quisemos pensar só o presente. Explorámos o nosso passado distante.

Na Pré-História sagrada era a terra, Deusa-Mãe, onde o culto aos antepassados se encontra materializado em construções megalíticas, não alheias à orientação do astro Sol e à Lua, e em artefactos votivos, nomeadamente nas placas de xisto gravadas colocadas no peito dos mortos aquando dos rituais da morte, muito provavelmente em representação de uma divindade feminina, sua protetora. [Antas da Água Doce]


Com a romanização do território vários foram os deuses em que se acreditou. Um panteão de figuras humanas com atributos divinos, onde Minerva, deusa do conhecimento e da sabedoria, gravada numa pedra de anel, se tornou a divindade eleita para símbolo deste Museu e o ex-libris deste espaço expositivo. 


Em 711 dá-se a invasão da Hispânia pelos muçulmanos. Origina-se assim um longo período de instabilidade, com os avanços e recuos da linha de fronteira, entre mouros e cristãos, reflexo da oposição de dois monoteísmos. Uma história ilustrada onde o castelo de Coruche se tornou crucial no plano de Reconquista Cristã e onde o Foral de 1182, carta régia do nosso primeiro monarca, desempenhou um papel relevante no repovoamento e recuperação de Coruche.


No século XIII, no sopé do monte, o quotidiano da vila de Coruche foi acontecendo ao ritmo dos tempos litúrgicos, aqui marcado pela presença do sino medieval de São Pedro (fundido em 1287), peça central deste espaço, dado o papel que desempenhou na esfera do quotidiano e do sagrado, mas também pelo seu contexto arqueológico de achado. O sino, que outrora estaria no campanário da igreja de São Pedro, foi depositado numa cripta-ossário por se encontrar inutilizado. Encerrou simbolicamente a mesma, encaminhando a alma de muitos que em vida havia servido.


No presente as Festas em Honra de Nossa Senhora do Castelo são o que de mais sagrado existe no território coruchense no âmbito da memória coletiva. Se por um lado são um momento de pausa na prolongada rotina dos trabalhos agrícolas, por outro revestem-se de uma importância vital consubstanciada na visibilidade máxima do culto mariano, com a procissão da sua Padroeira, no dia 15 de agosto, e na cerimónia religiosa da bênção dos campos, que a custódia é destinada a servir.


São os campos, a terra, o calendário agrícola, mas também os momentos de festa do calendário litúrgico católico – o das festas móveis, como o Carnaval e o ciclo da Páscoa, e o das datas fixas, próximas dos solstícios, como os Santos Populares, Santa Luzia ou o Natal – que aqui tratamos ao longo das quatro estações, regidas pelo Sol e pela Lua. Uma abordagem cíclica interposta num tempo linear.


O ser humano faz parte da Natureza, da sua biodiversidade. No entanto, contrariamente aos outros seres vivos, foi-se afastando dela. Ou assim o pensou. Criou uma relação de domínio. Impôs-lhe o ritmo da tecnologia. Mas que futuro? Poderá a cultura respeitar a Natureza? Acreditamos que sim.


O imenso montado de sobro pode servir-nos de exemplo. De testemunho harmonioso, porquanto Homem e montado se equilibram – ainda que com um crescimento a ritmos diferentes –, permitindo o desenvolvimento sustentável. À biodiversidade do montado contrapomos a cultura, produto do pensamento. E o seu produto é tão díspar que da cortiça, simples rolha, se alcança o Universo no seu uso mais espetacular, o da proteção térmica em veículos espaciais, incluindo o Space Shuttle.


Assim sendo, questionámo-nos. Poderá o Homem afastar-se da terra? Que resposta poderemos nós encontrar?!

A reflexão é sua. O futuro é já hoje!


"A terra, de onde tudo nasce, e onde tudo o que é vivo acaba por regressar ao morrer, está sempre presente. O chão que se pisa é o elemento sólido onde o homem se apoia para se alimentar, caminhar, correr ou partir em direcção ao céu e aos astros."

In: Portugal: o sabor da terra, de José Mattoso e Suzanne Daveau

 


Folheto e Guia do visitante

Catálogo: Distinção Prémios APOM 2015 na categoria Investigação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Atualizado em 24-04-2022